Nossos Mestres

As pessoas que
Ana Maria Primavesi

Ana Maria Primavesi

Ana Maria Baronesa Primavesi nasceu em 3 de outubro de 1920, no castelo Pichlhofen, distrito de St Georgen ob Judenburg, no estado da Estíria, Áustria, como primeira filha do Barão Sigmund Conrad e sua esposa Clara. Depois de cursar o primário em seu distrito, em 1935, foi para o colégio Sacré Coeur, em Graz, onde foi aluna no internato. Fez os últimos anos do ginásio em Dresden, onde concluiu seus estudos básicos. De lá foi mandada para o serviço Arbeitsdienst, no leste da Prússia, “um grande desestímulo imposto pelos nazistas a quem queria continuar os estudos”, e depois de nove meses entrou na Universidade Agrícola de Viena, que concluiu em 1942. Doutorou-se em Cultura de Solos e Nutrição Vegetal. Durante o período em que esteve na universidade, foi mandada para Lodz, Polônia, para ajudar na transferência de refugiados judeus durante a guerra e em Metz, Lorena, trabalhou numa fábrica – estas foram imposições do governo nazista aos estudantes. De 1943 até o fim da guerra, trabalhou no Conselho de Pesquisa da Universidade com pesquisas sobre ar frio.

Após a guerra, a região de Pichlhofen ficou sob o jugo da Inglaterra e Ana Maria Primavesi viu seu pai ser levado pelos ingleses acusado de apoiar os partisans, como eram chamados todos que eram contra invasores, fossem alemães, ingleses ou outros, foi presa pelos que ingleses. Pouco tempo depois de livrar o pai da execução, foi presa pelo mesmo motivo e transferida para um campo de concentração em Wolfsberg. Por ser uma das poucas pessoas que sabia o idioma, foi forçada a trabalhar como intérprete e tipista na FSS (Serviço Secreto dos Ingleses). Quando foi solta, disseram-lhe que aquilo fora um engano. Em 1946, casou-se com o fazendeiro, diplomata e também doutor, Artur Primavesi, e em 1948 vieram para o Brasil, onde continuaram suas pesquisas. O casal lecionou na Universidade de Santa Maria, no RS, instituição na qual Artur fundou o Instituto de Solos e Culturas e criou o primeiro curso de pós-graduação (Produtividade e Conservação do Solo); também trouxe para a cidade o Segundo Congresso de Biologia de Solos da América Latina patrocinado pela UNESCO.

Ana Primavesi deu a base técnica que o nascente movimento de agricultura orgânica no Brasil precisava. No final de 1979 juntou-se ao Grupo de Agricultura Alternativa, que começava a funcionar na Associação de Engenheiros Agrônomos de São Paulo, a quem doou grande quantidade de livros técnicos, e, desde então, teve grande convivência com todos os profissionais e produtores orgânicos no país, ministrando inúmeros cursos e palestras. Publicou o Manejo Ecológico do Solo, fundamental para o início do desenvolvimento da agricultura orgânica no Brasil, além de outros livros como Pergunte ao Solo e às Raízes, A Biocenose do Solo na Produção Vegetal, Manejo Ecológico de Pragas e Doenças, A Convenção dos Ventos, Manejo Ecológico de Pastagens e muitos outros. Mudou-se para a sua Fazenda Ecológica em Itaí, SP, em 1980, morando lá durante 32 anos, mas viajando constantemente pelo Brasil, dando cursos, consultorias e palestras. Já avançada em idade, mudou-se em 2012 para São Paulo, SP, para a casa da sua filha Carin Primavesi.

Faleceu em 5 de janeiro de 2020, deixando um formidável legado técnico e científico para a agricultura orgânica do Brasil e de países tropicais.

Dejair Lopes de Almeida

Dejair Lopes de Almeida

Dejair Lopes de Almeida era filho de pequenos agricultores, de uma família de sete irmãos, nascidos em Bom Jardim, região serrana do Rio de Janeiro, em 1941. Formado em Engenharia Agronômica pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro-UFRRJ, em 1966, fez seu mestrado e doutorado, em Ciências do Solo, na mesma Universidade e fez, ainda, pós-doutorado em agricultura orgânica na École Nationale de Formation Agronomique (Toulouse, França). Homem gentil, de hábitos simples e ligado à terra, inicia cedo seu caminho na pesquisa, atuando desde meados dos anos 70, como pesquisador, na Embrapa, desde sua criação até se aposentar, em 2006, sempre visando atender às necessidades dos pequenos agricultores.

Seu trabalho era na área de fertilidade do solo, tendo como preocupação principal a manutenção da matéria orgânica. Fez parte do grupo de profissionais que, desde o início da década de 1970, buscava uma agricultura mais condizente com as condições do pequeno agricultor brasileiro: diversificada, integrada, com maior aproveitamento dos recursos locais e menor dependência de insumos externos à propriedade e em sintonia com a natureza.

A ligação do Dejair com o homem simples fazia-se naturalmente em seus hábitos, quando, com suas inseparáveis sandálias franciscanas, durante as conversas em campo, ficava agachado, discorrendo sobre os agroecossistemas e as soluções encontradas para melhorá-los, com linguagem clara e simples para o entendimento do agricultor. Dejair era uma pessoa que circulava tranquilamente entre todos, dos mais simples aos mais graduados. Dizia que gostava mais do discurso pequeno e da ação maior.

Durante a década de 1980, Dejair participou ativamente dos Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa - EBAA e, em 1992, ano da Rio ECO 92, surgiu a ideia de propor uma inédita forma de pesquisa em agricultura biológica, com o objetivo de estudar, de forma participativa, nas condições de campo dos pequenos agricultores familiares, os agroecossistemas e suas interrelações, em condições de campo. Em 1993, unindo de forma inteligente, participativa e inédita as três instituições, UFRRJ, Embrapa e Pesagro, é proposta a criação do Sistema Integrado de Produção Agroecológica, nome oficial da Fazendinha Ecológica do km 47, como carinhosamente é conhecido este lugar inovador. Em seus 25 anos a Fazendinha recebeu mais de 20.000 visitantes e mais de 1.000 eventos, tornando-se referência de espaço para o exercício da agricultura orgânica que se transformou em um centro de formação em agroecologia e agricultura orgânica, com programa de pós-graduação em agricultura orgânica em nível de mestrado. Dejair, diante do desafio da criação dessa parceria interinstitucional inédita, com pouco recurso e muita disposição, definia a ideia, na origem, de “Uma bela aventura”.

No ano 2000, Dejair recebeu o Prêmio Nacional de Excelência em Pesquisa, da Embrapa, e em 2012, o Prêmio Johanna Dobereiner, do CREA-RJ, como referência em Pesquisa Agroecológica.

Ao se aposentar da Embrapa, após cumprir sua missão como pesquisador e orientador de inúmeras teses de Mestrado e Doutorado, volta para suas origens no Sítio Barra do Santa Tereza, que era de seu avô. Ali, com sua esposa Denise e com as constantes visitas das filhas e netos, cercado por bela paisagem e primoroso jardim, continuou seu trabalho de plantador experimentador, ao produzir e estudar o sistema agroflorestal. Com a experiência de quem participou da criação da primeira feirinha orgânica de Nova Friburgo, em meados dos anos 80, passa a se dedicar a produção de hortaliças diversas e frutas tais como laranjas e lichia, principalmente para consumo da família e, comercialmente, raízes rústicas como cúrcuma, gengibre, yacon, cará, batata baroa, inhame, certificadas pelo SPG Abio, da qual Dejair foi um dos fundadores. Dejair apreciava essas raízes por sua adequação à agricultura familiar.

Dejair faleceu em 2019, deixando um número incontável de seguidores. São agricultores, trabalhadores rurais, técnicos, pesquisadores e professores que tiveram o privilégio de ter podido conviver e aprender com ele.

José Antônio Lutzenberger

JOSÉ LUTZENBERGER

José Antônio Lutzenberger nasceu em 17 de dezembro de 1926, em Porto Alegre - RS, seu pai era alemão e sua mãe brasileira, filha de imigrantes alemães. Formou-se em agronomia, em 1950, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul -UFRS e, já em 1951, mudou-se para os Estados Unidos para cursar pós-graduação na Louisiana State University, em edafologia e agroquímica. A partir daí, passou a prestar serviços de assessoria técnica a diversas empresas agroquímicas, no Brasil e no exterior, até que, em 1970, decide largar o emprego e tomar novo rumo em sua carreira.

Retorna ao Brasil, em 1971 e começa sua atuação como ecologista. Em abril, juntamente com alguns companheiros, fundou a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN), considerada a primeira organização não-governamental brasileira dedicada à ecologia e ao meio ambiente. Durante toda a década de 1970, atuou em diferentes frentes de enfrentamento a problemas ambientais, sendo o ano de 1976, um marco, com a publicação da obra “Fim do futuro — manifesto ecológico brasileiro”, onde condenou a ideologia consumista e predatória da sociedade industrial.

Teve intensa participação na luta contra o uso dos agrotóxicos, contribuindo para a criação da primeira Lei dos Agrotóxicos do RS em 1982, influenciando outros estados a seguir o mesmo exemplo, e à criação da Lei Federal dos Agrotóxicos nº 7.802, em 1989. Sua luta em favor de uma agricultura mais sã, sustentável, segura e socialmente justa se estendeu até o final da vida, combatendo sempre o Lobby das grandes corporações agroquímicas e disseminando técnicas de cultivo orgânico dos alimentos. Durante a década de 1980, teve papel fundamental nos Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa – EBAA, que deram base ao movimento orgânico e agroecológico. Nessa mesma década deixa a AGAPAN e cria a Fundação Gaia, como um centro de estudos humanistas focado na conservação da vida no planeta.

De março de 1990 a março de 1992, José Lutzenberger esteve à frente da Secretaria Especial de Meio Ambiente da Presidência da República -SEMAM/PR. A indicação de Lutzenberger foi usada, pelo Presidente Collor de Melo, para melhorar a imagem do Brasil frente à opinião pública internacional. Seu espírito visionário e suas opiniões críticas da burocracia estatal, não lhe permitiam transitar com facilidade entre os diversos campos de ação do conturbado governo Collor. Enquanto esteve no cargo, teve importante papel na demarcação de terras Indígenas e da Reserva Extrativista Chico Mendes, no Acre.

Ao longo de sua vida, Lutzenberger publicou inúmeras obras, entre as quais: Manifesto Ecológico (1976), Pesadelo atômico (1980), Ecologia: do jardim ao poder (1985), Política e meio ambiente (em co-autoria com Flávio Lewgoy), Giftige Ernte -Tödlicher Irrweg der Agrarchemie - Beispiel: Brasilien (em co-autoria com Michael Schwartzkopf), (1988) e Gaia, o Planeta Vivo (1989).

José Lutzenberger recebeu dezenas de prêmios, homenagens e condecorações, no Brasil e no exterior, com destaque para: Mérito Agronômico de 1980, Medalha Bodo-Manstein, Medalha do Conservacionista, The Right Livelihood Award, Ordem do Ponche Verde do Rio Grande do Sul, Prêmio Internacional Vida Sana, Ordem de Rio Branco do Brasil, Ordem do Condor dos Andes da Bolívia, Doutor Honoris causa pela Universidade São Francisco, Bragança Paulista, Ordem do Mérito de Brasília, Ordem do Mérito da República Italiana, Conselheiro Principal da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável, Doutor Honoris causa pela Universidade para Cultura Agrícola - Viena, Áustria, Professor Honoris causa pela Universidade de Shandong - República Popular da China, Prêmio World Summit Of Ethics 2001, conferido pelo World Summit for Ethics 2001, realizado em Kühlungborn -Alemanha, em reconhecimento por décadas de luta ambiental.

José Lutzenberger faleceu em Porto Alegre no dia 14 de maio de 2002, aos 75 anos de idade, deixando um legado, irrefutável e seguidores fundamentais para o movimento orgânico brasileiro.

Raul de Lucena Duarte Ribeiro

Raul de Lucena Duarte Ribeiro

Raul de Lucena Duarte Ribeiro nasceu em 1937, no Rio de Janeiro, formou-se em Engenharia Agronômica, em 1962, pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, tendo feito mestrado (1969) e doutorado (1978), em Plant Pathology - University of Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos.

Raul era o típico carioca boa praça, botafoguense de coração, de rara habilidade com as palavras, faladas ou escritas, orador de grande naturalidade e revisor minucioso de textos. Nos seus 42 anos de docência na Universidade Federal Rural do Rural do Rio de Janeiro -UFRRJ, estima-se que tenha participado da formação de 6.000 agrônomos. Quem teve a grata oportunidade de tê-lo como mestre, usufruiu do privilégio de ver o profundo conhecimento técnico, ilustrado por exemplos e aplicações práticas de campo, transmitidos de forma dinâmica e amistosa. Tinha o dom de mestre pela facilidade em transmitir e se fazer bem entender. Poliglota, falava francês, inglês e espanhol, no entanto mantinha o vocabulário direto e simples ao homem do campo, quando estava na roça, como entusiasta da extensão rural para os sistemas de produção de base ecológica. Dono de memória clara e brilhantes conexões de raciocínio, tinha em seu discurso uma franqueza própria dos humanistas libertários e ambientalistas, não se furtando a demonstrar suas convicções. Reconhecido por seus pares como excelente fitossanitarista, quebrou paradigmas ao trazer para dentro da academia a discussão do controle alternativo de pragas, numa época em que os agrotóxicos eram a “única” solução e que os alternativos eram “hereges”. Raul adorava ser herege neste meio!

Era fluente em inglês e francês, além de sua reconhecida habilidade para redação e revisão ortográfica e gramatical nessas línguas. Ao longo de seus 42 anos de docência, formou milhares de engenheiros agrônomos, dispersos por todo o país, instituições e empresas, atuando no ensino de fitopatologia, olericultura, agroecologia e agricultura orgânica.

Sua atuação não se dava somente dentro do ambiente universitário; na década de 1980 participou ativamente dos Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa- EBAA e, em 1985, teve importante papel na fundação da ABIO – Associação de Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro, tendo sido seu Presidente e Membro do Conselho Técnico.

Em 1992, por ocasião da Rio ECO 92, surge a ideia de propor uma inédita forma de pesquisa em agricultura biológica, com o objetivo de estudar, de forma participativa, nas condições dos pequenos agricultores familiares, os agroecossistemas e suas interrelações, em condições de campo. Surge, então, em 1993 o projeto da “Fazendinha Agroecológica Km47”, estabelecendo uma inédita parceria entre UFRRJ/EMBRAPA Agrobiologia/PESAGRO-Rio, projeto considerado referência nacional e internacional na integração da pesquisa, ensino e extensão em agroecologia e agricultura orgânica.

Mesmo depois da aposentadoria formal, Raul, morador do Bairro Ecologia, vizinho à Fazendinha, continuou suas atividades, seja como professor do mestrado do Programa Profissional em Agricultura Orgânica- PPGAO/UFFRJ, sediado na Fazendinha, como orientador e integrante do Conselho da Abio. Ao lado de Norma, sua companheira, também pesquisadora, continuou avidamente interessado nos temas da agrobiologia no sentido amplo, sempre voltado para uma atuação coletiva e prática de seus alunos e orientandos de mestrado e doutorado.

Por tudo isso, foi reconhecido e homenageado por dezenas de turmas de formandos, e recebeu vários prêmios, com destaque para o Prêmio Ambiental Von Martius, conferido pela Câmara Brasil Alemanha (2004), Professor Emérito da UFRRJ (2009) e Prêmio Johanna Dobereiner (2013) concedido pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro – CREA RJ e Associação de Engenheiros Agrônomos do Estado do Rio de Janeiro – AEARJ.

Raul Lucena faleceu em 2018 deixando um legado inestimável! Sua missão foi completada com excelência de que só um baluarte é capaz! E como ele mesmo dizia “a realização de um professor é ver o sucesso de seus alunos e nesse sentido, me sinto realizado”.

Shiro Miyasaka

Shiro Miyasaka

Shiro Miyasaka foi o primeiro japonês a se doutorar em agronomia no Brasil. Chegou aqui aos oito anos de idade, vindo de Hokkaido, Norte do Japão. Depois, como assessor na área de financiamento de pesquisas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), entre 1979 e 1984, viajou por todo o Brasil e em 1981 publicou o livro A Soja no Brasil, cultura que ajudou a introduzir e aclimatar, e que o decepcionou profundamente, não pelo grão em si, mas pelo que ela passou a agregar em seu plantio, como maquinário pesado e adubação química. Mais tarde ainda veria a soja passar pelo processo de transgenia.

Shiro Myiasaka era pesquisador no Instituto Agronômico de Campinas (IAC), quando foi assistir a um congresso em que estava o casal Primavesi. Artur falava sobre a importância dos micronutrientes. Extraoficialmente, passou a acompanhar o trabalho dos Primavesi. “Comecei a atuar conforme a minha consciência e a participar de todo o movimento dela. E vi que, ao contrário do que diziam, a agricultura orgânica não era empírica, sem base científica. Eu comecei a enxergar através do livro dela, que tinha embasamento científico.” Começou a estudar e a buscar o trabalho não só de Ana Primavesi, mas também dos agrônomos que praticavam agricultura orgânica. Leu a Biocenose do Solo e depois Chaboussou. “Ele diz que praga em planta sã morre de fome. E que o inseto, na origem, era saprófago, comia só coisas mortas, depois se adaptou para seres doentes também. Chaboussou é da década de 1970 e a professora é anterior. Assim, os dois estavam questionando aquele método, que era muito agressivo.”

Em 2008, escreveu Manejo da Biomassa e do Solo. Convidado a visitar Primavesi para compartilhar histórias e compreender melhor a sua participação nesse movimento, Shiro entrega humildemente seu livro a Ana: “Eu vim aqui mais para receber a bênção da dra. Primavesi.” Com o livro nas mãos, trazia também o xerox de uma página da bibliografia de Manejo Ecológico do Solo. “Porque a senhora me citou, fiquei mais conhecido. E agradecido.”

De compleição frágil mas ideias firmes, tornou-se referência no desenvolvimento da agricultura orgânica no Brasil. “A mesma convicção que eu tinha no sucesso da soja, lá atrás, eu tenho hoje em relação à agricultura natural”, dizia.

Gostava da pesquisa, mas mais ainda de compartilhar seus conhecimentos com jovens agrônomos. Compartilhar, ensinar, promover uma agricultura viva e aprender. Em sua essência, o buscar.

Faleceu em 2017.

Yoshio Tsuzuki

Yoshio Tsuzuki

Yoshio Tsuzuki nasceu no Japão, em 1929. Formou-se em agronomia e veio para o Brasil em 1953. Trabalhou na Cooperativa Agrícola de Cotia, mas o que ganhava com a venda dos produtos era pouco, não dava para viver. Teve uma trajetória profissional muito semelhante à de Lutzenberger – trabalhou na Bayer de 1959 a 1963, depois com uma empresa sua, sempre vendendo agrotóxicos; mas depois mudou de opinião. Em 1968, apareceu a ferrugem do café e o governo obrigou os agricultores a usar cobre na plantação. “Vendi muito. Mas naquele tempo eu percebia que o agrotóxico não ia combater até o final as doenças e pragas, porque andando no campo a gente via cada vez mais insetos resistentes aos agrotóxicos. O acaricida não matava mais os ácaros e várias pragas que eu não conhecia apareciam. Muitas doenças não se curavam mais com fungicidas. E aí eu pensei que aquilo estava errado, que eu estava há muitos anos errado, vendendo agrotóxicos. Então liquidei todas as firmas e comecei a minha segunda vida”. “Outro motivo que eu tinha era que minha saúde não era boa naquele tempo. Como eu sabia que as hortaliças eram cultivadas com os venenos, eu não as comia. Nem hortaliças, nem frutas, nem verduras. Eu sentia muito cansaço nas pernas, muita fraqueza. Fui ao médico e ele me disse que meu sangue era ácido por falta de minerais e vitaminas, e que eu tinha que comer verduras, frutas, legumes. Mas onde eu ia comprar verduras sadias, sem agrotóxico? Não tinha.” Em 1970, ele fechou todas as revendas e a que restou não vendia mais agrotóxicos, e sim roçadeiras motorizadas. “Por isso que eu digo – reitera – que minha vida é dividida em duas partes: até 1970, cheia de agrotóxicos, ganhando bastante dinheiro. Depois de 1971, 1972, sem agrotóxico, nenhum grama de agrotóxico.” Tsuzuki comprou uma chácara em Cotia, SP, e ali passou a pesquisar a agricultura orgânica. Em quatro anos tinha 2,5 hectares de hortaliças e três mil galinhas, que forneciam a “cama das galinhas” como adubo. Aprofundou-se nas pesquisas de Francis Chaboussou, autor de Plantas Doentes pelo Uso de Agrotóxicos. Com a produção da chácara, Tsuzuki passou a entregar cestas de hortaliças.

Em 1980, deu cursos práticos de horticultura orgânica ao Grupo de Agricultura Alternativa, de São Paulo. Insistia para o grupo tornar-se oficial, e a sua ideia era que se transformasse em uma cooperativa. Depois de dez anos, o grupo se transformou na Associação de Agricultura Orgânica, cuja fundação se deu em sua chácara em Cotia. Assim como Ana Primavesi, testemunhou os estragos da guerra. Esteve em Nagasaki, vendeu um apartamento em São Paulo e enviou todo o dinheiro a seus compatriotas. “Recebi muito e agora acredito que devo retribuir.”

Yoshio Tsuzuki faleceu em 2016.

(Extraído do livro Ana Maria Primavesi – Histórias de Vida e Agroecologia, de Virgínia Mendonça Knabben)