Uma breve história do movimento orgânico brasileiro

Não há como falar do movimento orgânico brasileiro sem fazer uma introdução sobre as influências que vieram de fora e foram, sem dúvida nenhuma, referência e inspiração para o que aconteceu no Brasil. Pelo fato dos países considerados desenvolvidos, adotarem primeiro o uso intensivo das tecnologias da revolução industrial na agricultura, predominantemente com o uso dos insumos químicos, os problemas e as preocupações geradas por isso, também surgiram primeiro para eles provocando também, os movimentos de reação.

Nas décadas de 1920 e 1930, começam a surgir movimentos de contestação ao caminho que estava sendo dado para a agricultura, dos quais destacamos o da agricultura orgânica encabeçada pelo inglês Albert Howard, o da agricultura natural no Japão, por Mokiti Okada e o da agricultura biodinâmica, pelo austríaco Rudolf Steiner. As experiências e iniciativas desses movimentos lá fora foram certamente grandes indutoras dos processos ocorridos no Brasil.

Foi também com base nesses movimentos, que se construiu o que consideramos, hoje em dia, o movimento orgânico mundial. A globalização da economia, com o consequente aumento do comércio internacional de produtos, contribuiu fortemente para que a identificação correta e clara dos produtos produzidos com base nos princípios do movimento orgânico fosse cada vez mais importante. 

Em novembro de 1972, com o objetivo de organizar e dar credibilidade ao mercado orgânico em expansão, foi criada, em Versalhes, na França, a Federação Internacional de Movimentos de Agricultura Orgânica-IFOAM, que desenvolveu um sistema abrangente de normas e um programa de credenciamento para promover e desenvolver a certificação confiável de terceiros. As normas estabelecidas pela IFOAM são normas privadas, mas devido à sua aceitação internacional pelo movimento orgânico, os padrões da IFOAM acabaram por servir de base para normas públicas e privadas criadas em todo o mundo.

Estabelecer um marco para o início do movimento orgânico brasileiro seria muita pretensão, então resolvemos iniciar nossa história a partir do que consideramos ter sido a atitude, de um brasileiro, que influenciou e inspirou muitas pessoas a darem seus próprios passos e contribuições, para chegarmos onde estamos hoje.

1976

José Lutzenberger publica o livro “Manifesto Ecológico Brasileiro: Fim do Futuro?“ Esse livro traz para a nossa realidade e momento as denúncias em torno do mesmo tema que haviam levado Rachel Carson a publicar o livro Primavera Silenciosa, em 1962, que é considerado o embrião das campanhas contra o uso de agrotóxicos e a base inicial para o lançamento do movimento ambientalista, no mundo.

1977

A Associação dos Engenheiros Agrônomos do Estado de São Paulo, AEASP, promove o 1º Congresso Paulista de Agronomia e convida José Lutzenberger para proferir palestra sobre o uso indiscriminado de produtos químicos na agricultura. Sua palestra causa enorme impacto entre os cerca de quinhentos agrônomos participantes do Encontro e Lutzenberger é aplaudido de pé. A categoria profissional dos engenheiros agrônomos foi precursora na elaboração de um ponto de vista crítico sobre a modernização que se propunha para a agricultura, totalmente vinculada a uma dependência de insumos químicos. A AEASP teve papel fundamental nesse processo por ter sido assumida, na década de 1970, por um grupo de profissionais altamente crítico ao modelo tecnológico proposto. 

1978
Lutzenberger é escolhido pela AEASP para receber o Prêmio de “Engenheiro Agrônomo do Ano”. Por pressão de empresas nacionais e multinacionais, principalmente as produtoras de agrotóxicos e adubos químicos, é apresentado requerimento à Diretoria da AEASP, solicitando uma Assembleia Geral para tentar anular a escolha e evitar entrega do prêmio. A AEASP, seguindo o seu Estatuto, convoca a Assembleia. A ANDEF – Associação Nacional dos Defensivos Agrícolas, programa um almoço dos Engenheiros Agrônomos para o mesmo dia da Assembleia, para incentivar e facilitar a participação dos colegas na reunião e, naturalmente, votar pela cassação do prêmio. Não adianta: numa Assembleia histórica, com quatrocentos e vinte participantes, sendo que 414 agrônomos votam pela manutenção do prêmio ao colega Lutzenberger, e apenas 6 votam contra.
Acontecem as primeiras iniciativas de organização de consumidores que buscam formas de melhorar o acesso a alimentos produzidos sem produtos químicos, algo que não era possível nas redes varejistas tradicionais. Nesse período, surgiram a Cooperativa Ecológica Coolméia, de Porto Alegre-RS e a associação de consumidores COONATURA, no Rio de Janeiro-RJ. Essas duas iniciativas serviram de referência para a criação, nas décadas seguintes, de diversas organizações, que criaram formas de aproximação de produtores e consumidores, que foram a base do movimento orgânico brasileiro.
1979
É publicado o livro “Pragas, Praguicidas e a Crise Ambiental”, do professor Adilson Paschoal, da ESALQ. Esse livro teve grande importância por ser escrito por um professor de uma das mais tradicionais e renomadas escolas de Agronomia do Brasil.
Lutzenberger sugere à AEASP a instituição de um grupo para elaborar o cadastro das pessoas e iniciativas ligadas à Agricultura Alternativa no Brasil, e em seguida trabalhar pela divulgação do movimento, de um sistema de produção agrícola que não utilize de agrotóxicos, adubos químicos e outras tecnologias prejudiciais ao meio ambiente. O primeiro nome que ele sugere para compor o grupo é o da agrônoma e professora Ana Maria Primavesi, naquela época desconhecida na AEASP.
O movimento iniciado na AEASP, que havia se expandido para outros estados, possibilitou que um grupo, liderado por Walter Lazzarini, assumisse a Federação das Associações dos Engenheiros Agrônomos do Brasil, FAEAB, com uma diretoria formada por profissionais simpatizantes da Agricultura Alternativa. Esse grupo propõe a realização de um grande encontro nacional para discutir e apresentar propostas de desenvolvimento da Agricultura Alternativa. A FAEAB pensa, inicialmente, em realizar o encontro no Estado de São Paulo, mas a grande presença dos fabricantes de produtos químicos e o prefeito da cidade, Paulo Maluf, fazem a Federação mudar os planos. A opção mais viável passa a ser Curitiba onde a Associação dos Engenheiros Agrônomos do Paraná- AEAPR vinha travando uma luta contra o uso indiscriminado de agrotóxicos e a favor do Receituário Agronômico, e contava-se com o apoio do Prefeito, Jaime Lerner.
1980

Em fevereiro de 1980, na reunião da diretoria da AEASP, é criado o Grupo de Agricultura Alternativa – GAA. O nome do Grupo é escolhido para contemplar as diversas correntes do movimento: Agricultura Orgânica, Biodinâmica, Natural, Biológica e outras. Nesse mesmo ano, o GAA lança na AEASP o livro “Manejo Ecológico do Solo”, da Professora Ana Primavesi e, em agosto, realiza o 1º Curso de Agricultura Biológica.

1981
Em 1981, no período de 20 a 24 de abril, a FAEAB, com a colaboração da AEAPR, realizou o 1º Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa-EBAA. Nesse evento predominaram os debates mais técnicos, no qual eram destacadas as consequências do pacote tecnológico como a contaminação por agrotóxico (humana, ambiental e nos alimentos), erosão do solo, aumento do número de pragas e doenças – e as tecnologias consideradas alternativas àquele pacote. As experiências apresentadas eram ainda bastante teóricas e o conhecimento tecnológico era produzido visando principalmente à substituição de insumos. O conceito de agricultura alternativa era ainda muito vago. O evento contou com aproximadamente 400 participantes, principalmente engenheiros agrônomos e estudantes de agronomia. Os palestrantes foram, principalmente, os pioneiros do movimento – Ana Primavesi, José Lutzenberger, Pinheiro Machado, Adilson Pascoal, Sebastião Pinheiro e algumas referências internacionais como Claude Aubert, especialista em agricultura biológica. Além das palestras, o encontro teve a preocupação de apresentar relatos de experiências de tecnologias alternativas existentes no país.
Em outubro de 1981, o GAA, da AEASP, torna realidade o sonho de Lutzenberger e inicia o levantamento, no Estado de São Paulo e em estados vizinhos, das principais experiências desenvolvidas por produtores rurais e ONGs, para produção de produtos sem agrotóxicos, adubos solúveis e outros insumos químicos, utilizando tecnologias de cultivo não agressivas ao meio ambiente. Esse levantamento descobre um número considerável de propriedades, entre as quais, no estado de São Paulo, a Estância Demétria, em Botucatu, a Granja Tsuzuki, em Cotia, a Fazenda Palmeira, em Itapetininga, o sítio da Fundação Mokiti Okada, em Atibaia, a Granja Bela Vista e o Sítio da Cachoeira, em Campinas, a Fazenda Nova Gokula, em Pindamonhangaba; em Minas Gerais, a Fazenda Mãe D’Água, do pioneiríssimo Franz Leher, a Fazenda Araucária, em Camanducaia, e outras.
1983
Em janeiro de 1983, é criada, no Rio de Janeiro, a Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa (AS-PTA), associação de direito civil sem fins lucrativos, fundada com o objetivo de contribuir para a implantação no Brasil de um modelo de desenvolvimento agrícola sustentável, fundado no paradigma técnico-científico da agroecologia.
1984

Em 1984, a FAEAB e a Associação dos Engenheiros Agrônomos do Rio de Janeiro- AEARJ, promoveram em Petrópolis-RJ, o 2º Encontro Brasileiro de Agricultura Alternativa- II EBAA. Com a presença de cerca de 1.800 participantes, contou, também, com a participação de pessoas importantes para o desenvolvimento da Agricultura Alternativa, como Ana Maria Primavesi, Johanna Döbereiner, Dejair Lopes de Almeida, Raul de Lucena, Ronaldo Salek, Ernest Goetsch, Francisco Graziano Neto, Sebastião Pinheiro, Yoshio Tsuzuki, Pinheiro Machado, José Lutzemberger, dentre outros. Estiveram também presentes 24 Secretários de onze estados da Federação –  Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, que foram signatários da Carta de Petrópolis. Nesse Protocolo de Intenções, assinado em 4 de abril de 1984, os Secretários comprometeram-se a desenvolver a Agricultura Alternativa em seus respectivos estados por meio de vários objetivos, destacando o apoio e o redirecionamento da pesquisa, a difusão e o uso de alternativas agropecuárias mais adequadas à realidade nacional, respeitadas as peculiaridades regionais. 

1987

Em 1987, em Cuiabá-MT, aconteceu o III EBAA, que teve a presença de mais de 3.000 participantes. Os movimentos a favor de agriculturas alternativas, depois do III EBAA, mostraram que tudo não se resumia em uma simples proposta, mas em milhares de práticas científicas, tecnológicas, de produção e de vida social esparramadas por todo o País, crescendo e se desenvolvendo na esperança de redirecionar os caminhos da sociedade para rumos onde o respeito e o amor a vida fossem as principais referências. É aqui que se evidencia a polêmica que consistia em saber se a agricultura alternativa conduzia “à perda da dimensão política no combate travado contra o capitalismo” ou se, pelo contrário, ela era “capaz de dar consistência à discussão política da transformação da sociedade” brasileira. Durante o Encontro foi criado um Fórum de Coordenação dos Movimentos de Agricultura Alternativa, em função do grande número de entidades que estavam surgindo.

1988

O ano de 1988 foi marcado por uma forte atuação da FAEAB, junto a Assembleia Nacional Constituinte, para o reconhecimento do risco representado pelos então denominados Defensivos Agrícolas. Como resultado desse trabalho, tivemos a introdução, no Artigo 220 da Constituição, da expressão agrotóxicos, colocando-os no rol dos produtos cuja propaganda comercial estará sujeita a restrições legais, contendo, sempre que necessário, advertência sobre os malefícios decorrentes de seu uso. Por conta dessa conquista, em 1989 foi aprovada a Lei nº 7.802 – Lei de Agrotóxicos, na tentativa de se mudarem os padrões de produção e consumo devido ao potencial poluidor da atividade agrícola e seus efeitos sobre a saúde humana. A crítica aos agrotóxicos contribuiu para legitimar valores essenciais para a produção orgânica e de base agroecológica e abrem espaço para justificar a futura regulamentação da agricultura orgânica.

1989

Em março de 1989, foi realizado em Porto Alegre – RS, o IV EBAA reunindo cerca de 4 mil pessoas. Neste evento, as divergências que haviam começado a surgir por ocasião do III EBAA, afloraram e não foi possível construir nenhum consenso. Houve discordâncias entre os membros que lideravam o movimento de agricultura alternativa e muitas críticas à organização do evento. Foi o único Encontro que não teve publicação dos Anais, inclusive alguns estudos acadêmicos nem citam a sua existência e, devido a estas divergências, o movimento de agricultura alternativa acabou por se dispersar. Entretanto, o final da década de 1980 foi marcado pela surgimento de diversas organizações, em diferentes partes do Brasil, voltadas a trabalhar pela organização e desenvolvimento das iniciativas ligadas à produção de base agroecológica, geralmente tendo como ponto em comum a criação de feiras e outras formas de comercialização que aproximassem produtores e consumidores. É, nesse contexto, que surgem a Associação de Agricultura Biológica do Rio de Janeiro, ABIO, a AGE, em Brasília, a Associação de Agricultura Orgânica, AAO, em São Paulo, a Chão Vivo, no Espírito Santo, a Feira Coolmeia de Agricultores Ecologistas, no Rio Grande do Sul, entre outras.

1992
O ano de 1992 trouxe em nível internacional, uma forte influência na transformação que viria a acontecer com a agricultura orgânica no Brasil. Dando sequência a iniciativas como a da França, que, em junho de 1980, introduziu um rótulo oficial de Agricultura Biológica (AB) para cereais, frutas e vegetais orgânicos e dos Estados Unidos, que, em 1988 haviam iniciado o desenvolvimento de padrões orgânicos nacionais que culminou com o Ato da Produção de Alimentos Orgânicos (OFPA) de 1990, outros países também iniciam o processo de tornar oficial a regulamentação e controle da produção orgânica. Foi nesse ano que teve início, no Japão, o processo de regulamentação da produção de orgânicos, quando o Ministério da Agricultura, Pesca e Alimentos (MAFF) estabeleceu as diretrizes voluntárias de rotulagem orgânica, passando depois pela decisão, em 1998, de estabelecer uma regra para a certificação orgânica na lei sobre as Normas Agrícolas Japonesas (JAS). Também em 1992, na Argentina, o Serviço Nacional de Sanidade e Qualidade Alimentar – SENASA, da Secretaria de Agricultura e Pesca da Argentina, publicou legislação nacional sobre produção orgânica, que estabelecia os requisitos mínimos para a Agricultura Orgânica naquele país. Ainda no mesmo ano, tivemos a promulgação, pela União Europeia, da Diretriz 2.092/91, que trata da comercialização de alimentos orgânicos nos países-membros. Iniciado em 1991, quando foi publicado o primeiro documento normativo deste setor no âmbito do comércio internacional, por meio do programa instituído pelo Council Regulation da Comunidade Econômica Europeia (CEE) no documento 2092/91, foram estabelecidas as normas e os padrões de produção, processamento, comercialização e importação de produtos orgânicos de origem vegetal e animal nos seus estados membros.
Em 1992 aconteceu a Eco-92, também chamada de Rio-92, que foi a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro. Também conhecida como Cúpula da Terra, reuniu mais de uma centena de chefes de Estado para debater formas de desenvolvimento sustentável, um conceito relativamente novo à época. Em paralelo à Conferência, aconteceu o Foro Global de Organizações Não Governamentais e Movimentos Sociais. Toda a mobilização gerada e a grande divulgação de questões relacionadas aos princípios da sustentabilidade, ainda muito pouco comuns para a maioria da população brasileira, ajudaram a alavancar o interesse pela produção e a procura por produtos orgânicos.
1993

Em 1993, é criado o Sistema Integrado de Produção Agroecológica (SIPA), “Fazendinha Agroecológica Km 47”, como resultado de uma parceria entre duas Unidades da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa Agrobiologia e Embrapa Solos, a Empresa de Pesquisa Agropecuária do Estado do Rio de Janeiro (PESAGRO-RIO), a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e o Colégio Técnico da UFRRJ (CTUR). A construção desse projeto teve início no II EBAA, que aconteceu em Petrópolis-RJ, por ter fortalecido a percepção de que era necessário ampliar a base científica da agricultura orgânica a partir da construção de sistemas agrícolas baseados em processos biológicos. Essa unidade passou a ser uma referência nacional no desenvolvimento e validação de tecnologias apropriadas para sistemas orgânicos de produção.

1994

Em 1994, o Ministério da Agricultura foi procurado por organizações e entidades ligadas ao movimento orgânico, propondo a regulamentação da certificação de produtos orgânicos. Entre os demandantes dessa proposta estavam produtores e certificadoras que já atuavam no Brasil, na certificação de produtos orgânicos, principalmente destinados ao mercado exterior, que haviam passado pela experiência de tentar exportar cacau e açúcar orgânicos para a Alemanha, no final da década de 80, quando os importadores e os organismos de certificação europeus começaram a fazer pressão para que os países que quisessem exportar para eles, tivessem legislação e mecanismos de controle oficiais sobre os processos de certificação de produtos orgânicos. Levando em conta tudo que estava acontecendo no mundo, em torno da produção orgânica, o Ministério responde a essa demanda com a publicação da Portaria MAARA nº 178 de agosto de 1994, que criou Comissão Especial para propor, num prazo de 60 dias, as normas para a certificação de produtos orgânicos e a criação de um Comitê Nacional de Produtos Orgânicos, que aconteceu por meio da Portaria MAARA nº 190 de setembro de 1994, responsável por propor as estratégias para a certificação de produtos orgânicos.

1995

Em 1995, o Governo Federal institui o Comitê Nacional de Produtos Orgânicos (CNPO), por meio da Portaria MA nº 192/1995, para elaborar e aprimorar normas para a agricultura orgânica em nível nacional, com composição paritária entre governo e ONGs que atuavam no movimento orgânico. Um dos principais pontos de conflito entre seus integrantes era sobre a necessidade, ou mesmo a conveniência, de existir uma regulamentação para a certificação de produtos orgânicos e, se viesse a existir, quem deveriam ser os Organismos Certificadores e qual o processo de certificação a ser adotado. Essa indefinição por parte do Conselho deixava o Ministério da Agricultura com o receio de que seria difícil chegar a uma regulamentação que não tivesse forte reação por uma parte dos integrantes do movimento orgânico. É preciso destacar que o Ministério estava acostumado a trabalhar com entidades de representação setorial formalmente estabelecidas, mas, no caso dos orgânicos, era um amontoado de entidades, sem nenhuma articulação, defendendo, muitas vezes, posições totalmente antagônicas.

1997

Em 1997, numa nova reunião do CNPO, na tentativa de se chegar a um acordo quanto às normas, é criado o Fórum Orgânico, que consegue definir um conjunto mínimo de normas técnicas e um rito processual para o processo de certificação. Com base nessas propostas, em outubro de 1998, o Ministério da Agricultura publicou a Portaria 505/98, que colocava em consulta pública o resultado desse trabalho. O resultado da consulta pública mostrou haver ainda uma nítida divergência, dentro do movimento orgânico, sobre alguns pontos propostos para o regulamento, o que fez que o Ministério decidisse pela realização de uma audiência pública onde se fecharia a posição sobre os pontos em conflito. 

1999
Em 1999, depois de mais de trinta anos de produção orgânica autorregulamentada, o MAPA publica a Instrução Normativa n° 007/99, estabelecendo as normas de produção, tipificação, processamento, envasamento, distribuição, identificação e certificação de qualidade para produtos orgânicos de origem animal e vegetal. Este é o início da regulamentação da agricultura orgânica no Brasil.
Em julho de 1999, por ocasião da sua 23ª Reunião, o Grupo de Rotulagem do Codex Alimentarius, que é um programa conjunto da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), adotou as Diretrizes para a Produção, Elaboração, Rotulagem e Comercialização de Alimentos Produzidos Organicamente visando a facilitar a harmonização dos requisitos para a produção orgânica em nível internacional, e assessorar os governos que desejassem estabelecer regulamentos nesta área. Na realidade, a preocupação era garantir uma harmonização de normas de produção e rotulagem, visando ao comércio internacional, principalmente por parte de países em desenvolvimento e da Europa Oriental, que se mostravam cada vez mais interessados em produzir orgânicos para exportar para os países tradicionalmente consumidores. Por terem sido publicadas exatamente na época em que o Brasil iniciava seu processo de regulamentação oficial da produção orgânica, as Diretrizes do Codex passaram a ser a principal referência para a criação do marco legal brasileiro.
2001

Em novembro de 2001, documento divulgado pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) recomenda aos governos dos países do Terceiro Mundo que incentivem a agricultura orgânica. “O mercado de frutas e verduras orgânicas oferece bom potencial para que os países aumentem suas exportações e diversifiquem sua agricultura”. Para os técnicos da FAO, nos países desenvolvidos, a demanda por alimentos orgânicos deverá ultrapassar a capacidade de produção, o que oferece uma boa oportunidade de mercado para os países em desenvolvimento.

2002

Em fevereiro de 2002, é publicada a Instrução Normativa SDA/MAPA 06/2002, com critérios para acreditação das entidades certificadoras de produtos orgânicos, permitindo que os primeiros processos de credenciamento de certificadoras pudessem ser iniciados no MAPA. Entretanto, as divergências anteriores sobre os processos de certificação voltaram a ficar evidentes pouco tempo depois do início desses trabalhos. Em julho de 2002, o Ministério da Agricultura recebe uma carta pedindo a suspensão do credenciamento das certificadoras, até que os mecanismos de certificação participativa fossem contemplados no regulamento da Produção Orgânica. Essa carta havia sido redigida ao final do Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), realizado no Rio de Janeiro, reunindo organizações sociais de técnicos e agricultores envolvidas na produção orgânica no Brasil. Nesse Encontro foi proposta a retomada de um processo coletivo e amplo para a continuidade da construção da regulamentação e, para isso, foi criado um grupo de trabalho para avaliar e sugerir possíveis alterações da IN 006/02. Esse grupo de trabalho passa a se auto denominar Grupo de Agricultura Orgânica – GAO, e teve um papel fundamental nos passos seguintes que levaram à construção e à promulgação da Lei nº 10.831, de dezembro de 2003. Um dos fatores que fizeram que a atuação do GAO pudesse ser mais efetiva foi a compreensão e o apoio dado pelo então Secretário de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Valter Bianchini.

2003
Em março de 2003 dá entrada na Comissão de Assuntos Sociais do Senado o PLC 14/2002, criando regras para a produção orgânica no Brasil, sendo designado para relator o Senador Aelton Freitas. Informado, pelo MAPA, do interesse em aprovar uma Lei para o setor e que o texto que vinha da Câmara não atendia o interesse do movimento orgânico, o Senador concorda em apresentar um substitutivo a partir de sugestão encaminhada pelo MAPA em acordo com o GAO e com outros representantes do governo e da sociedade civil.
Em abril de 2003, o MAPA formalizou a proposta de substitutivo ao Senador Aelton Freitas que, em maio do mesmo ano, apresenta seu substitutivo, na Comissão de Assuntos Sociais do Senado. O substitutivo apresentado foi, na íntegra, o texto criado no encontro de Campinas. Em julho o projeto (substitutivo) foi aprovado, sem emendas, no Plenário do Senado. No mesmo mês, o Projeto de Lei é encaminhado de volta à Câmara dos Deputados em função de ter sido alterado no Senado. Para evitar que se repetissem as alterações que demandaram a criação do substitutivo no Senado, o MAPA articula com a Câmara para que o PLC 14/2002 tramite em regime de urgência. A estratégia dá certo e, em dezembro de 2003 o projeto foi aprovado no Plenário da Câmara, mais uma vez sem sofrer emendas. É importante destacar o papel do então Ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues para que esse complexo trâmite pudesse ter acontecido dessa forma. Em 23 de dezembro de 2003, é sancionada, pelo Presidente Lula, a Lei nº 10.831, que criou o marco legal para a produção orgânica no Brasil, trazendo como característica primordial o fato de ter sido elaborada por representantes de diferentes seguimentos do movimento orgânico brasileiro e com o propósito de fazer que a legislação possibilitasse que todo agricultor ou agricultora pudesse ser produtor orgânico e que os produtos orgânicos fossem produzidos para serem consumidos, prioritariamente, pelos brasileiros, independentemente do nível de renda e da região do país.
Ainda em 2003, no mês de setembro, acontece no Rio de Janeiro-RJ, a 1ª Biofach – Brasil. A Feira e a Conferência Biofach, a mais importante feira internacional de produtos orgânicos, acontece anualmente em Nuremberg, Alemanha. Nesse ano, foi realizada pela primeira vez na América Latina e, por uma articulação realizada pela Maria Beatriz Bley Martins Costa e sua equipe do Planeta Orgânico, o Brasil foi o país escolhido, pelo Conselho da Biofach, da Alemanha, para sediá-la. O evento aconteceu no Hotel Glória, e contou com a participação de pessoas, organizações e entidades da sociedade civil e do governo que de alguma forma já estavam atuando, de forma efetiva, no movimento orgânico. Essa Feira foi um marco para dar dimensão e visibilidade nacional à produção orgânica brasileira e mostrou a importância desse tipo de evento para o setor. Em novembro de 2003, acontece em Porto Alegre – RS, o I Congresso Brasileiro de Agroecologia – CBA, realizado com 3.366 participantes de instituições de ensino, pesquisa e extensão e sociedade civil organizada envolvida com as demandas da agricultura familiar e buscando a valorização da agroecologia como ciência. Foi por ocasião do II CBA, também em Porto Alegre, em 2004, que foi criada a Associação Brasileira de Agroecologia-ABA, com o objetivo principal de incentivar e contribuir para a produção de conhecimento científico no campo da agroecologia. Os CBAs passaram a ser o principal espaço de discussão e apresentação da base científica necessária para o desenvolvimento do movimento orgânico.
2004
O ano de 2004 traz outro marco histórico para o movimento orgânico brasileiro por termos, pela primeira vez, a agricultura orgânica reconhecida como uma atividade estratégica para o país, ao ser incluído no Plano Plurianual-PPA 2004-2007, o Programa de Desenvolvimento da Agricultura Orgânica, com ações e metas voltadas ao fomento da produção orgânica no país, incluindo atividades de pesquisa com a participação da Embrapa e de linhas de crédito diferenciado por meio do Banco do Brasil.
Em abril de 2004, foi instalada a Câmara Setorial da Cadeia Produtiva da Agricultura Orgânica-CSAO, com a participação de vinte e nove instituições envolvidas com o movimento orgânico brasileiro, do setor público, setor privado e terceiro setor, dos diferentes biomas brasileiros. A CSAO passou a ser o local de discussão e construção de todo o processo de regulamentação da Lei nº 10.831/2003, bem como da discussão das políticas públicas prioritárias para o setor. Para presidir a CSAO foi nomeado o Engenheiro Agrônomo José Pedro Santiago, com histórica participação no movimento orgânico, tendo sido, inclusive, o primeiro presidente da Associação de Agricultura Orgânica-AAO, de São Paulo. Apesar de estar funcionando desde 2004, a CSAO só foi oficialmente criada em janeiro de 2006 pela Portaria MAPA nº 36/2006.
Em julho de 2004, é publicada a Portaria MAPA nº 158/2004, que determina que o Programa de Desenvolvimento da Agricultura Orgânica – PRO-ORGÂNICO, nos assuntos relativos à sua execução, seja assessorado pela Comissão Nacional da Produção Orgânica – CNPOrg e pelas Comissões da Produção Orgânica nas Unidades da Federação – CPOrg-UF. Essa Portaria buscou criar meios de ampliar a participação da sociedade civil na implementação das políticas públicas voltadas para o setor, possibilitando a participação de representantes de todas as unidades da federação. A estrutura regulamentada teve por base os colegiados estaduais e o nacional que haviam sido criados pela IN nº 007/99. Posteriormente, o Decreto que regulamentou a Lei nº 10.831/2003, ratificou a figura das CPOrgs e da CNPOrg, que foram, então, regulamentadas pela Instrução Normativa MAPA nº 54/2008.
2005
Em 2005, é criada, na estrutura organizacional do MAPA, a Coordenação de Agroecologia – COAGRE, com o objetivo de ser a unidade responsável pela implementação das ações previstas no Programa Pró-Orgânico, presente no PPA 2004-2007. As ações da COAGRE foram divididas em duas grandes áreas: uma voltada à implementação do marco regulatório criado pela Lei nº 10.831/2003 e aplicação dos mecanismos de garantia da qualidade orgânica e, por outra, à promoção de ações voltadas ao fomento da produção orgânica no Brasil. Pela primeira vez, em quase 150 anos de sua existência, o Ministério da Agricultura passou a ter uma área com atenção específica para a produção orgânica. É nomeado como Coordenador, o Engenheiro Agrônomo Rogerio Dias, do quadro técnico do Ministério, por ser envolvido com o movimento orgânico há muitos anos e por já ser o responsável por todas as ações relacionadas, a produção orgânica, que acontecia no âmbito do MAPA.
No mesmo ano, é realizada a primeira campanha “Semana dos Alimentos Orgânicos”. Essa campanha é voltada aos consumidores, para destacar a importância dos produtos orgânicos para quem consome e para quem produz, além de promover grande benefício para o meio ambiente. Para essa campanha, o MAPA articula a parceria com outros órgãos do Governo Federal e a definição das ações e mobilização nos estados, é feita pelas CPOrgs. Desde essa primeira edição, a campanha acontece todos os anos, tendo o mês de maio como referência do lançamento da campanha em cada ano.
Em dezembro de 2005, pela necessidade de estabelecer os procedimentos necessários à implementação da certificação participativa dentro do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica, para fazer parte do Decreto regulamentador da Lei nº 10.831/2003, foi realizada uma oficina no Sítio Yamaguishi, em Jaguariúna-SP. Participaram, dessa oficina, representantes indicados pelo GAO, técnicos do MAPA e do MDA e um advogado, especializado em processos de certificação, contratado pelo MDA. Foi por influência desse advogado que ficou decidido não utilizar mais a expressão Certificação Participativa e passar a utilizar a expressão Sistemas Participativos de Garantia. Foi ainda nessa oficina que se decidiu trabalhar, nesse regulamento, com a mesma lógica que se utilizava para a certificação de terceira parte, com a ideia de que o regulamento brasileiro pudesse ser utilizado, no futuro, para a criação de uma norma ISO voltada a harmonizar procedimentos internacionais em sistemas participativos de garantia, nos moldes do papel que cumpria a ISO Gui 65/97 para a certificação de terceira parte.
2006

Em junho de 2006, por meio da Portaria Interministerial (MAPA, MEC, MDA, MMA, MCT) nº 177/2006, é criada uma Comissão Interministerial com a finalidade de construir, aperfeiçoar e desenvolver políticas públicas para a inclusão e incentivo à abordagem da agroecologia e dos sistemas de produção orgânica nos diferentes níveis e modalidades de educação e ensino. A grande motivação para a criação da comissão foi a necessidade de se alterar a realidade existente na formação dos novos profissionais das ciências agrárias, uma vez que as Universidades e Institutos Federais continuavam mantendo as grades curriculares totalmente vinculadas ao emprego do pacote tecnológico com base no uso dos chamados “insumos modernos”, pacote esse que gerou o surgimento do movimento orgânico. Essa comissão foi a responsável pela estruturação e implementação da iniciativa de lançar editais para financiar ações em Núcleos de Estudo em Agroecologia e Produção Orgânica – NEAs, iniciados a partir de 2010. Ao longo dos últimos 12 anos, mais de 300 NEAs foram apoiados e, com isto, a ampliação do número de pessoas envolvidas com pesquisa ensino e extensão de base agroecológica. 

2007
Em dezembro de 2007 é publicado o Decreto nº 6.323, que regulamenta a Lei no 10.831/2003. Nesse Decreto foram estabelecidos os principais pontos norteadores para todas as demais normas e regulamentos voltados à produção orgânica, podendo-se destacar, entre eles, a definição dos mecanismos de controle para a garantia da qualidade orgânica, onde ficam instituídos os sistemas participativos de garantia como equivalentes à certificação por auditoria e utilizando o mesmo selo único oficial do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica (SISOrg). Nesse Decreto é criado o Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos e dos Organismos de Avaliação da Conformidade Credenciados, bem como definem-se as infrações e as penalidades aplicáveis. O Decreto deu ao Ministério da Agricultura a competência para elaborar os demais atos necessários a sua implementação, mas reforça o espírito participativo que foi utilizado desde a redação do Projeto de Lei, ao determinar que toda essa elaboração deverá contemplar a participação dos demais órgãos federais envolvidos, da Câmara Setorial da Agricultura Orgânica daquele Ministério e das CPOrg-UF.
Em 2007, realiza-se em Managua, Nicarágua, o 1º Encontro da América Latina e Caribe de Autoridades Competentes da Agricultura Orgânica. Esse evento foi promovido pelo Programa Hemisférico de Agricultura Orgânica – PHAO, do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA com o propósito de criação de uma rede de representantes dos órgãos oficiais, responsáveis pelo controle da produção orgânica, nos países da América Latina e Caribe, procurando harmonizar legislações e procedimentos operacionais. É a partir dessa iniciativa, que em julho de 2008, é criada a Comissão Interamericana de Agricultura Orgânica – CIAO, pelos Ministros da Agricultura participantes do Comitê Executivo do IICA, com a finalidade de contribuir para o desenvolvimento da produção orgânica nos países das Américas e facilitar o comércio de seus produtos. O Brasil faz parte desde o momento de sua criação e a CIAO é integrada, atualmente, por 19 países, na qualidade de membros: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Honduras, Guatemala, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Espanha e Portugal participam da Comissão como observadores permanentes. A existência da CIAO tem sido extremamente importante para o intercâmbio de procedimentos e de políticas públicas para o setor orgânico nos diferentes países que a compõem, tendo sido fundamental para o futuro acordo de equivalência que veio a acontecer com o Chile em 2018.
2008
Em junho de 2008, o movimento orgânico ofereceu, ao Presidente Lula, um café da manhã orgânico. O evento aconteceu no Palácio do Planalto, em Brasília-DF, e contou com a presença do Ministro da Agricultura Reinhold Stephanes, do Ministro Gilberto Carvalho e de representantes do setor orgânico. Após todas as falas, ficou clara a importância da criação de políticas públicas voltadas ao enfrentamento de vários desafios existentes para o setor e que todas deveriam ser organizadas no contexto de uma Política Nacional para a Produção Orgânica. A criação dessa Política Nacional foi incluída nas metas do MAPA no Plano Plurianual seguinte, que foi o PPA 2011-2014. 
Em dezembro 2008, é publicada a Instrução Normativa nº 64/2008 (alterada posteriormente pela IN MAPA nº 46/2011, que, por sua vez, teve alterações acrescentadas pela IN MAPA nº 17/14), aprovando o Regulamento Técnico para os Sistemas Orgânicos de Produção Animal e Vegetal. Com a publicação deste regulamento, foi dado início ao processo de publicações de outros regulamentos específicos para o Extrativismo Sustentável Orgânico (INC MAPA-MMA nº 17/2009); para o Processamento, Armazenamento e Transporte de Produtos Orgânicos (INC MAPA-MS nº 18/2009, alterada pela INC MAPA-MS nº 24/2011); para os Mecanismos de Controle e Informação da Qualidade Orgânica (IN MAPA nº 19/2009); para os Sistemas Orgânicos de Produção Aquícola (INI nº28/2011); para a Produção de Produtos Têxteis Orgânicos Derivados do Algodão (IN MAPA nº 23/2011); para a Produção de Cogumelos Comestíveis Orgânicos (IN MAPA nº 37/2011); e para a Produção de Sementes e Mudas em Sistemas Orgânicos de Produção (IN MAPA nº 38/2011). .
2009
Em julho de 2009 é criada a categoria de Produtos Fitossanitários com Uso Aprovado para Agricultura Orgânica, por meio do Decreto nº 6.913/2009, que acrescentou dispositivos ao Decreto nº 4.074/2002, que regulamenta a Lei dos Agrotóxicos. A publicação desse Decreto atendeu a uma demanda histórica do movimento orgânico pelo aumento da oferta de insumos apropriados para a produção orgânica. Essa demanda já havia ficado explícita no artigo 9º da lei nº 10.831/2003 que estabelece que os insumos com uso regulamentado para a agricultura orgânica deverão ser objeto de processo de registro diferenciado, que garanta a simplificação e agilização de sua regularização. Com a criação do registro com base na publicação de especificações de referência, houve uma enorme alavancagem no número e na diversidade de produtos biológicos para controle fitossanitário, que passaram a ser registrados e colocados à disposição dos produtores rurais. Tal era a importância dessa iniciativa, para o movimento orgânico, que a assinatura do Decreto foi feita pelo Presidente Lula, em ato realizado no espaço da Bio Brazil Fair, realizada todos os anos, em São Paulo – SP, por ser a principal Feira do setor orgânico.
Em dezembro de 2009, fica estabelecida a data de 31 de dezembro de 2010 como data limite para que todos os segmentos envolvidos na rede de produção orgânica se adequassem às regras estabelecidas pelo Decreto 6.323/2007 e demais atos complementares. Essa determinação foi estabelecida com a publicação do Decreto nº 7.048/2009. Com o estabelecimento desse prazo, governo e sociedade civil passam a ter que buscar meios para efetivar a implementação de todo o marco legal criado nos anos anteriores.
2010

Em 2010, começam a ser credenciados, pelo MAPA, com base na nova legislação aprovada para o setor, os primeiros Organismos de Avaliação da Conformidade Orgânica que passariam a atuar na certificação de produtos orgânicos. Nesse ano foram credenciadas as três primeiras Certificadoras por Auditoria: o Instituto de Tecnologia do Paraná (TECPAR), a Ecocert Brasil Certificadora Ltda. e o IBD Certificações Ltda.; e os três primeiros Organismos Participativos de Avaliação da Conformidade: a Associação de Agricultura Natural de Campinas e Região (ANC), a Associação Ecovida de Certificação Participativa e a Associação dos Agricultores Biológicos do Estado do Rio de Janeiro (ABIO). Com o credenciamento desses organismos foi dado início, no Brasil, a certificação oficial dos produtos orgânicos. Ainda nesse mesmo ano foram cadastradas as 16 primeiras Organizações de Controle Social, de grupos de agricultores familiares que comercializavam seus produtos orgânicos diretamente aos consumidores.

2012
Em 2012, começa a ser divulgado no site do MAPA, o Cadastro Nacional de Produtores Orgânicos, instrumento criado pelo Decreto 6.323/2007, passando a ser possível, pela primeira vez no Brasil, ter a quantificação e identificação de todos os produtores orgânicos e de todas as unidades de produção orgânica regularizadas pela legislação em vigor. A informação desses dados é de responsabilidade dos Organismos de Avaliação da Conformidade, credenciados junto ao MAPA. O Cadastro apontou que tínhamos, ao final de 2012, um total de 5.934 produtores orgânicos cadastrados, número este que já ultrapassa, atualmente, mais de 20.000 produtores em todo o País.
Em agosto de 2012, foi lançada a Frente Parlamentar pelo Desenvolvimento da Agroecologia e Produção Orgânica, da Câmara dos Deputados, com a participação de mais de 200 parlamentares, tendo por meta o estímulo à produção e a comercialização de produtos orgânicos para desenvolver, no País, a agroecologia como estratégia de fortalecimento da agricultura socialmente justa, economicamente solidária e ambientalmente necessária. Ainda nessa linha, promover ações direcionadas às políticas públicas e ao aprimoramento da legislação nacional para o fortalecimento da agroecologia e da produção orgânica. A presidenta da Frente e grande articuladora para a sua criação foi a Deputada Luci Choinacki, que é também uma agricultora familiar orgânica. A Frente promoveu, em maio de 2013, o I Seminário Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica onde foram definidas sete metas consideradas prioritárias pela Frente Parlamentar, entre elas, reafirmar a importância do cumprimento da função social da terra e dos recursos hídricos; defender a liberdade de produzir alimentos livres de agrotóxicos e transgênicos; e reproduzir, conservar e estimular todas as formas de diversidades de sementes e mudas.
Ainda em agosto, o governo brasileiro lança a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO, por meio do Decreto nº 7.794/2012. A criação de uma política nacional para a produção orgânica era uma reinvindicação antiga do movimento orgânico tendo, por isso mesmo, sido incluída, pela COAGRE-MAPA, como uma meta a ser atingida no PPA 2012-2015. Foi um importante passo para a ampliação e efetivação de ações de promoção do desenvolvimento rural sustentável, impulsionado pelas crescentes preocupações das organizações sociais do campo e da floresta, e da sociedade em geral, a respeito da necessidade de se produzir esses alimentos saudáveis conservando os recursos naturais. É importante destacar o papel que teve, para a criação da PNAPO, o então Ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gilberto Carvalho, que vinha, desde 2008, sendo o principal interlocutor e defensor de ações do governo federal voltadas ao movimento orgânico.
Em novembro de 2012 acontece a 1ª Reunião da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – CNAPO, com a presença do Ministro Pepe Vargas do MDA, do Ministro Mendes Ribeiro do MAPA, da Ministra Izabella Teixeira do MMA e do Ministro Gilberto Carvalho da Secretaria Geral da Presidência da República. A criação da CNAPO foi um grande avanço para a participação da sociedade civil e das organizações sociais do campo e da floresta, que fazem parte do movimento orgânico e do movimento agroecológico, na construção e no acompanhamento de políticas públicas voltadas para esses setores. Era composta por representantes de 14 órgãos e entidades do executivo federal e por 14 entidades titulares e 14 suplentes representantes da sociedade civil. A existência da CNAPO propiciou uma grande aproximação do movimento orgânico e do movimento agroecológico em torno de temas de extrema importância para ambos.
2013
Em outubro de 2013 é lançado o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PLANAPO, um dos principais instrumentos da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, tendo sido instituído pela Portaria Interministerial nº 54, de 12 de novembro de 2013. O primeiro ciclo do Plano, que abrangeu o período de 2013 a 2015, resultou em amplo conjunto de ações públicas, executadas por 10 Ministérios e 6 outros órgãos do governo federal. Além de ter incentivado a articulação entre agentes públicos e privados em torno da agroecologia e da produção orgânica, o PLANAPO contribuiu para a incorporação do tema em processos de planejamento e implementação de políticas públicas, tanto em nível federal, quanto subnacional. O Plano foi estruturado em torno de quatro eixos: produção; uso e conservação de recursos naturais; conhecimento e comercialização e consumo.
2014

Em junho de 2014, é instituído o Selo Único Oficial do Sistema Brasileiro de Avaliação da Conformidade Orgânica – SISORG, por meio da Instrução Normativa MAPA nº 18/2014. A utilização de um selo oficial para identificação dos produtos orgânicos, no mercado, foi uma estratégia que já vinha sendo empregada em vários países e até mesmo bloco, como a União Europeia, para facilitar a identificação pelos consumidores, que muitas vezes ficavam confusos pelo uso de diferentes selos utilizados por cada entidade certificadora. O selo do SISORG trouxe mais um componente importante, que foi o de reforçar a equivalência de garantia verificada tanto por certificadoras por auditoria quanto pelos sistemas participativos de garantia.

2015

Em junho de 2015, é publicada a Instrução Normativa nº 13/2015, alterando a IN nº 54 de outubro de 2008, que regulamenta a estrutura, composição e atribuições da Subcomissão Temática de Produção Orgânica – STPOrg e das Comissões da Produção Orgânica nas Unidades da Federação CPOrgs-UF. Um ponto importante a se destacar, nesta nova normativa, é a passagem da coordenação das CPOrgs para representantes da sociedade civil. Essa mudança visou a ampliar o poder e a responsabilidade da sociedade no funcionamento e alcance dos objetivos das Comissões.

2018

Em setembro de 2018, é assinado o Memorando de Entendimento entre o Ministério da Agricultura do Brasil – MAPA e o Ministério da Agricultura do Chile – MINAGRI sobre o reconhecimento mútuo de analogias e semelhanças nas normativas de produção orgânica e para a aplicação de mecanismos de controle de qualidade orgânica em ambos os países. Além da importância desse acordo, pela facilitação do comércio de produtos orgânicos entre os dois países, ele é um marco histórico, por ser o primeiro acordo internacional que reconhece a equivalência dos sistemas participativos de garantia com a certificação por auditoria e, com isto, iniciam-se as primeiras exportações com certificação participativa.

2019
Em maio de 2019 é publicado o Decreto nº 9.784/2019, revogando partes do Decreto nº 7.794/2012, acabando, com isto, com as instâncias de gestão da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO. Com essa medida, o governo acaba com a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – CNAPO, que havia se tornado o principal espaço de articulação entre as entidades da sociedade civil envolvidas com a agroecologia e a produção orgânica e delas com os órgãos do governo responsáveis pela execução das políticas públicas importantes para esses movimentos. Com isto, o governo praticamente inviabilizou a continuidade da PNAPO, já que o PLANAPO II tinha ações previstas até dezembro de 2019 e, portanto, nesse ano já teríamos que ter construído o PLANAPO III. Com o fim da CNAPO foi impossível fazer essa construção, nos moldes como foram feitas a dos PLANAPOs I e II e o governo também ficou totalmente desarticulado, por ter acabado, no mesmo Decreto, com a Comissão Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica – CIAPO, que era o fórum de articulação dos órgãos de governo que tinham ações dentro da PNAPO. Com essas medidas, apesar do Decreto 9.784/2019 só revogar partes do Decreto que criou a PNAPO, o governo acabou de fato com ela, restando somente a continuidade de algumas ações que estavam dentro dessa Política em função do esforço isolado de alguns profissionais e setores do governo ou aquelas para quais existem outras obrigações legais a serem executadas.
Em outubro de 2019, é criado o Instituto Brasil Orgânico. Era sonho de muitos, há muito tempo, a criação de uma entidade que assumisse o papel de representar, nacionalmente, todos os segmentos do movimento orgânico. A partir de uma decisão tomada por vários representantes desse movimento, em junho desse mesmo ano, na Bio Brazil Fair/Biofach América Latina, em São Paulo, deu-se início ao processo de elaboração da proposta de como deveria ser sua estrutura e seu Estatuto Social. A decisão de fazer a assembleia de criação no dia 3 de outubro deu-se por um forte motivo: ser esse o dia do aniversário da Professora Ana Maria Primavesi, que, nesse ano, completou 99 anos. A professora foi escolhida, de forma unânime, para ser a patronesse do Instituto, por toda contribuição e exemplo que sempre deu para todos que participam do movimento orgânico. O Instituto Brasil Orgânico nasceu num clima de grande confraternização e otimismo, demonstrando a força que terá, ao já iniciar seus trabalhos, com 382 associados fundadores.